Ministério da Saúde abre consulta pública sobre inclusão de canabidiol no SUS

O Ministério da Saúde abriu uma consulta pública para receber opiniões sobre a inclusão do canabidiol, no Sistema Único de Saúde (SUS), para o tratamento de crianças e adolescentes com epilepsia refratária. As contribuições podem ser feitas até 15 de março, pela internet.

O canabidiol já faz diferença na vidas de famílias do Distrito Federal, que conseguiram o direito de usar a substância. Agora, a ideia do Ministério da Saúde é ter opiniões, informações e críticas da sociedade e da comunidade científica sobre o tema.

O assunto veio à tona devido à solicitação de uma empresa que quer o canabidiol incluso pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no Sistema Único de Saúde (SUS). O tema chegou a ser discutido pela pasta no fim do ano passado, porém, a comissão optou por abrir a consulta.

De acordo com a Conitec, 30% dos pacientes com epilepsia são considerados resistentes aos medicamentos. Por isso, o canabidiol seria uma alternativa de tratamento para essas pessoas.

A substância em avaliação pelo ministério é chamada comercialmente de Prati-Donaduzzi, um produto de cannabis que não tem tetrahidrocanabinol (THC) – principal substância psicoactiva encontrada nas plantas do gênero cannabis. O produto tem relatório técnico feito pela Conitec e um pedido de incorporação ao SUS produzido pela Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde (SCTIE/MS).

As contribuições da sociedade serão analisadas pela Conitec. “A expectativa é que sejam apresentadas informações sobre o uso da tecnologia em avaliação, sejam como relatos de experiência ou evidências científicas, que possam contribuir para recomendação final da Comissão”, informou a pasta.

Debate amplo

Ao G1, o neurocientista e professor do Departamento de Ciências Fisiológicas da Universidade de Brasília (UnB) Renato Malcher, informou que o ideal no debate sobre o uso do canabidiol é a regulamentação e não apenas o uso específico de uma substância, como sugere a consulta pública.

O especialista comenta que a questão do canabidiol precisa ser discutida de forma ampla e sem resistência cultural. De acordo com ele, quando o pleito é feito apenas por uma empresa, há possibilidade de monopólio de produtos que não podem ser os melhores e tem preço elevado.

“É uma situação paradoxal. Não sei se há uma solução imediata, mas, a longo prazo, a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] deve estabelecer uma regulamentação e até caracterizar a substância como fitoterápico, que é mais flexível que os remédios”, diz o professor.

Sobre o uso do canabidiol no Brasil, Malcher afirma que o país está atrasado na discussão. De acordo com ele, diversos países da América do Sul e da Europa já fazem o uso da substância e são referência em tratamentos.

Mudança de vida

Em 2015, Sabrina Azevedo Filgueira, à época com 8 anos, tinha cerca de 30 crises convulsivas por dia, provocadas pela epilepsia. Após diversas idas ao médico, o pai dela, o analista de licitação Fábio Filgueira Virgulino, de 41 anos, conseguiu uma receita médica para fazer uso do canabidiol.

“Depois que o tratamento começou, as crises reduziram até que houve controle. Porém, para conseguir o remédio, não foi fácil”, detalhou.

De acordo com Fábio, a primeira receita do canabidiol foi custeada por ele. “Fizemos empréstimos e pedimos doações. Conseguimos R$ 4 mil e compramos o remédio, que durou 45 dias de tratamento”, afirmou.

O analista disse que decidiu acionar a Justiça e, em 2015, Sabrina foi a primeira criança da capital a ter autorização que obriga o Executivo a custear o medicamento. Porém, após a decisão, o remédio demorou mais de 1 ano para chegar.

Seis anos após iniciar o tratamento, Fábio afirma que ainda enfrenta burocracia para conseguir o medicamento. De acordo com ele, agora, ele disputa na Justiça o direito de cultivar a substância em casa.
“Acredito que tenha uma questão de preconceito muito grande no Brasil, que acham que o cultivo é para algo recreativo. Sou um pai de família que quero produzir um remédio”, reforçou.

Canabidiol no Brasil

Desde 10 de março do ano passado, está em vigor no país uma resolução que cria uma nova categoria de produtos derivados de Cannabis.

Em maio, após 35 anos de pesquisas e testes, o primeiro medicamento brasileiro feito à base de canabidiol começou a ser vendido nas farmácias no Brasil. O remédio foi desenvolvido por cientistas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (SP) em parceira com uma indústria farmacêutica do Paraná.

O fármaco a base de canabidiol comercializado no país pode ser usado somente com prescrição médica e é indicado para quadros graves e resistentes de epilepsia, em que outros medicamentos não surtiram efeito.

E a regulamentação?

Em dezembro de 2019, a Anvisa rejeitou uma proposta de regulamentação do cultivo da maconha para fins medicinais no Brasil. Em nota, o órgão explicou que “a questão do plantio é um tema que precisa ser tratado com o legislativo neste momento”.

Enquanto tramitam no Congresso Nacional projetos de lei que têm como objetivo definir os critérios para o cultivo da cannabis, o Poder Judiciário tem julgado pedidos de famílias que alegam depender dos medicamentos e comprovam sua eficácia por meio de laudos médicos.

Em um dos casos, em outubro de 2017, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal autorizou uma família a plantar maconha para fins medicinais. No caso, o tratamento foi para uma adolescente de 16 anos, que sofria de crises convulsivas, dor crônica e paralisia dos pés e das mãos. A permissão foi dada por três desembargadores da 1ª Turma Criminal, por unanimidade.

Antes da decisão, a família já mantinha alguns exemplares de cannabis sativa em casa, mas corria o risco de ser punida com base na Lei Nacional de Drogas. A mãe da adolescente, então, entrou com um pedido de habeas corpus para dar segurança jurídica ao cultivo.

G1

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