PGR entrega a Fachin relatório da ação policial no Jacarezinho

Às vésperas do julgamento da ADPF 635, que ficou conhecida como “ADPF das Favelas”, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, entregou um relatório minucioso sobre a operação no Jacarezinho, na qual 28 pessoas foram mortas. O documento de Aras ao ministro Edson Fachin, relator do processo, traz detalhes da ação da Polícia Civil, no último dia 6, que podem ajudar os 11 integrantes da Corte a julgar sobre os limites a serem impostos nas ações policiais, a fim de evitar a letalidade. O procurador-geral defende uma investigação imparcial. O julgamento virtual começou nesta sexta-feira e vai até o dia 28.

No dia seguinte à operação no Jacarezinho, a Procuradoria-Geral da República (PGR), por iniciativa própria, instaurou um procedimento denominado “Notícia de Fato” para apurar, preliminarmente, se houve descumprimento da decisão liminar do STF em relação à ADPF 635. A PGR oficiou as polícias Civil e Militar, o Ministério Público do Rio (MPRJ), a Defensoria Pública do Estado, o Tribunal de Justiça (TJRJ) e o governo do Estado pedindo detalhes da operação. Enquanto a Polícia Civil respondeu que não houve descumprimento da decisão liminar de Fachin, a Defensoria Pública do Rio informou que há indícios de execução.

Segundo Aras, o relatório da Defensoria Pública traz conclusões que “apontam para o uso excessivo da força policial, a prática de agressões físicas e psicológicas, inclusive com execuções sumárias, violações de domicílios e o desfazimento de cenas de crime antes da realização de perícia”. O material, que foi anexado ao documento do procurador-geral, é assinado por integrantes do Núcleo de Defesa de Direitos Humanos (NUDEDH), do Núcleo de Audiência de Custódia (NUDAC) e da Ouvidoria-Geral, órgãos da Defensoria Pública.

Segundo a Defensoria, seus integrantes estiveram no Jacarezinho e presenciaram um cenário de “terror”. O dossiê do órgão informa que: “Também foram feitos muitos relatos de que os policiais desdenhavam dos mortos, faziam piadas, arrastavam os corpos pelo chão e deixavam que as cabeças se chocassem nas quinas de paredes e desníveis do calçamento”. O órgão se queixa de não ter recebido registros de ocorrência de “mortes decorrentes de intervenção de agente estatal”, nem de laudos de hospitais ou de necropsia. Dos seis presos na operação, quatro foram atendidos pela Defensoria Pública e contaram para defesa que foram obrigados a carregar corpos que estavam pelo chão. Diz ainda o relatório que um deles contou “que os policiais, ao abordá-lo em sua casa, já vinham trazendo dois indivíduos detidos, que executaram dentro de sua casa, na presença de familiares seus”, o que caracterizaria “tortura psicológica”.

O relatório conjunto ressalta a importância de se observar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Favela Nova Brasília, acerca das execuções sumárias em 1994/1995. O Brasil foi condenado em 2017 por não ter realizado uma investigação imparcial e efetiva na ocasião. Por isso, ao relembrar a condenação, o documento destaca a ausência de isenção da Polícia Civil para investigar de forma independente, imparcial e diligente as mortes no Jacarezinho. Também foi recomendado que a apuração fique a cargo da Polícia Federal.

Ainda de acordo com as informações encaminhadas ao STF, a Defensoria Pública apontou que a operação batizada de ‘Exceptis’, como um “franco deboche à decisão do Supremo Tribunal Federal, na verdade, não constitui exceção, mas sim um padrão de atuação que se tem verficiado especialmente por parte da Polícia Civil a partir do mês de outubro do ano passado, quando se percebe o aumento exponencialmente de operações e, consequentemente, de mortes decorrentes de intervenção policial”.

A Polícia Civil, por sua vez, também teve seu documento, assinado pelo secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, anexado ao relatório do procurador-geral da República. Em resposta, o órgão informou que: “Em princípio cumpre asseverar que a decisão liminar proferida pelo Ministro Edson Fachin nos autos da ADPF 635 foi rigorosamente observada e cumprida. Objetivamente, durante a operação policial não foram utilizadas escolas ou creches como base operacional; não foi executada em horário escolar ou comercial; não foram utilizadas unidades de saúde como base operacional; o helicóptero foi acionado a partir do momento em que houve extrema necessidade, diante da execução de um policial civil logo no início da operação, justificando como absolutamente necessário seu uso excepcional”. A Polícia Civil disse ainda que houve um comunicado sobre a operação ao MPRJ, o que foi confirmado pela promotoria. Informou ainda que procedimentos foram instaurados para a “devida e transparente apuração dos fatos”.

A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, “ADPF das Favelas”, foi proposta pelo PSB (Partido Socialista Brasileiro), em ação coletiva com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, Educafro, Justiça Global, Redes da Maré, Conectas Direitos Humanos, Movimento Negro Unificado, Iser, Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial/IDMJR, Coletivo Papo Reto, Coletivo Fala Akari, Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência, Mães de Manguinhos.

Em medida liminar, o STF determinou que sob pena de responsabilização civil e criminal, não se realizem operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia do COVID-19, salvo em situações excepcionais e informadas ao Ministério Público do Rio

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