DEMOCRACIA VANDALIZADA (Por: José Valdemir Alves)

O texto a seguir se propõe a fazer uma análise dos fatos que se desenrolaram no último domingo, 8 de janeiro de 2023, em Brasília. Ele não tem por propósito justificar o injustificável, nem generalizar o que não pode nem deve ser generalizado. Buscarei expor meu ponto de vista com dados e fatos que corroborem aquilo que penso. O que não posso é ficar de braços cruzados quando vejo tantos bradarem condenações a um movimento que tentam macular pela ação de alguns extremistas e infiltrados.

Pois bem, na data já mencionada, foi marcada mais uma manifestação por grupos de direita – chamados de bolsonaristas pela grande mídia – na capital do país. O objetivo era protestar contra o governo declarado eleito na última eleição presidencial, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso (Câmara e Senado), isto é, contra os três poderes.

A motivação do protesto contra Lula é óbvia: além de ser um candidato não escolhido por essa grande parcela do eleitorado brasileiro, tem seu histórico de políticas desastrosas a longo prazo, além dos muitos escândalos de corrupção ao longo do período petista no poder (2003 a 2016), bem como sua condenação em dois desses processos por corrupção e sua consequente prisão, em 2018. O petista teve sua condenação em um dos processos anulada pelo STF, em 2019 [1]. Embora ainda com considerável popularidade tendo em vista tal “currículo”, é inegável que a maioria da população não o queria como presidente da República – basta somar os votos para Bolsonaro com os votos em branco, nulos e as abstenções.

Em relação ao STF, a insatisfação dos conservadores decorre das reiteradas intervenções da alta corte nas ações governamentais entre 2019 e 2022. Para citar algumas: impedimento de nomeação do diretor da Polícia Federal (PF) pelo então presidente Bolsonaro; limitação da ação governamental federal durante a pandemia de Covid-19; obrigação dada pelo então ministro Celso de Mello para divulgação do vídeo de reunião ministerial – secreta por sua natureza estratégica; até 2021, o STF já tinha imposto mais de 100 medidas contra o governo [2]. Isso sem contar os inquéritos das Fake News – apelidado de “o inquérito do fim do mundo” pelo ex-ministro do STF, Marco Aurélio Mello [3] – e o dos Atos Antidemocráticos, instalados de ofício pelo STF, atropelando direitos fundamentais como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório [4].

Ainda sobre as críticas de conservadores ao poder judiciário, há as que se assentam na condução do processo eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por um dos ministros do STF, Alexandre de Moraes. Os direitistas acusam o tribunal de ser parcial sempre com medidas em desfavor do então presidente à reeleição, Jair Bolsonaro [5]. Além disso, repousa sobre a corte eleitoral a acusação da falta de transparência no processo eleitoral de 2022, ao que o TSE respondeu com medidas de censura: bloqueio de perfis em redes sociais, retiradas de vídeos críticos ao tribunal eleitoral, entre outras medidas que não se viam havia década no ordenamento jurídico, tudo sob a alegação de “defesa da democracia” [6].

No que concerne ao poder legislativo, a Câmara e o Senado têm sido alvo de protestos direitistas pela omissão diante das várias interferências do STF nas funções legislativas [7]. A casa legislativa que pode pautar impeachment (impedimento) de ministros do STF é o Senado, cujo presidente mostra-se alinhado às medidas da alta corte, por isso sem sinalizar que pode pautar algum processo de impedimento de ministros acusados de descumprirem seu papel constitucional.

O fato é que, diante de todo o cenário relatado acima, milhões de brasileiros têm se mobilizado em várias cidades brasileiras para protestarem. Desde o dia 31 de outubro, após o segundo turno da eleição presidencial, milhares de apoiadores do então presidente Bolsonaro acampavam em frente aos quarteis das principais cidades do país, pedindo que os militares agissem de acordo com o artigo 142 da Constituição Federal, buscando restabelecer a lei e a ordem, que teriam sido transgredidas pela alta corte do país. Isso rendeu-lhe a pecha de “golpistas” e “antidemocráticos” por “não aceitarem o resultado das urnas”.

A situação tensa culminou com a reunião de milhares de bolsonaristas em Brasília, convocados sem uma liderança central – é bom lembrar que o ex-presidente Bolsonaro, que se encontra nos Estados Unidos desde o fim do ano passado, não fez nenhuma convocação nesse sentido. O objetivo era mostrar a forte indignação dessa parcela brasileira com os rumos políticos que o país tomou desde outubro passado.

Durante a manifestação, várias pessoas partiram para a invasão de partes interditadas pela segurança de Brasília, seguindo-se a invasões das sedes dos três poderes: o STF, o Congresso e a o Palácio do Planalto. Não só invadiram, como começaram a vandalizar o patrimônio público: quebraram portas, vidraças, objetos, móveis etc. Um caos que não se via havia algum tempo – mais à frente mostro que tais cenas não são inéditas na capital federal, infelizmente.

Aqui começa a distinção dada ao movimento como um todo pelos grandes veículos de imprensa. Os manifestantes passaram a ser tratados como terroristas, vândalos e golpistas. A questão não é negar os fatos: aconteceram cenas deploráveis e reprováveis? Sim! Os envolvidos devem ser punidos? Sem dúvida! O ponto a ser levantado com muita cautela é a generalização de todo um movimento. Você, que lê esse texto, sabe muito bem que os grandes canais de mídia de nosso país têm lado bem definido, principalmente aquele lado que os beneficia economicamente.

A quem interessa tentar imputar terminologia negativa a um movimento que, até então, era marcado pela forma pacífica de se manifestar? Basta dar uma pesquisada no Google pelas manifestações pró-impeachment, em 2015 e 2016, nas quais milhões de brasileiros saíram às ruas para pedirem a saída da então presidente Dilma Rousseff. Não houve sequer um ato de vandalismo. Outras manifestações se seguiram, principalmente em 2019, 2021 e 2022, também sem nenhuma ocorrência de depredação de bens públicos ou atos violentos, embora a velha mídia insistisse em tachar esses atos de “antidemocráticos”. Quem tem assistido ao Jornal Nacional e afins tem ficado com uma visão bastante equivocada de tal movimento.

Não é de suspeitar que tenha havido algo muito fora do comum no seio de um movimento caracterizado pelo pacifismo na forma de se manifestar? “Ah, mas eles pedem a intervenção militar, isso é antidemocrático!” E quem disse que essa é a tônica de todo movimento. Outrossim, se há uma intervenção pontual das Forças Armadas na nossa Constituição, no seu artigo 142, isso não pode ser acionado? Revogue-se esse artigo por meio de votação no Congresso, então. Democrático mesmo deve ser apoiar governos e regimes totalitários como o cubano e o venezuelano, que o Partido dos Trabalhadores (PT) não esconde expressar sua simpatia e até apoio. Democrático mesmo deve ser haver partidos com “socialismo” e “comunismo” – ideologias responsáveis por milhões de mortes onde se instalaram – no nome de suas legendas exercendo seu direito de liberdade de expressão, enquanto pedem punição a quem lhes seja oposição.

E por falar em hipocrisia, Lula e seus asseclas bradam que a esquerda nunca se manifestara de modo violento, atentando contra a democracia. É mesmo? Vamos aos fatos.

O ano era 2006, quando o Movimento de Libertação do Sem Terra (MLST) invadiu de depredou as dependências do Congresso Nacional [8]. O resultado foi destruição generalizada nas dependências da casa legislativa: portas de vidros estilhaçadas, seguranças e guardas feridos, equipamentos e móveis destruídos.

Em 2013, quando começaram as grandes manifestações de rua (duas décadas depois do impeachment de Collor), houve registros de vários atos de vandalismo e violência promovidos por um grupo autointitulado de “Black Blocs” [9]. A ideologia anarquista defendida por tal grupo está à esquerda do espectro político. O rastro de destruição onde eles atuaram pesou no bolso de pagadores de impostos.

Já em 2017, no primeiro ano de governo de transição de Michel Temer, a esquerda promoveu manifestações contra o governo, cujo saldo foi de 49 presos e um rastro de depredação, quando os manifestantes esquerdistas invadiram a Esplanada dos Ministérios, em Brasília [10]. Em São Paulo, houve quebra-quebra também, em 2016, cuja ação foi louvada pelo líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos [11].

Esses são apenas alguns exemplos de como a esquerda costuma se manifestar. Se não fosse a liberdade que, ainda, existe na internet, nós podemos ter acesso a esse farto material factual. E contra fatos não há argumentos, não é? Entendem por que Lula e sua turma falam tanto em “regular” os meios de comunicação e as mídias sociais? [12]

Voltemos aos atos terroristas de Brasília, no último domingo. Depois de todo esse histórico aqui levantado, não causa espanto a você, que lê esse texto, que tais atos aconteçam justamente entre uma parcela historicamente pacífica (os conversadores)? Será que não houve infiltrados entre o movimento direitista? Há um sem-número de vídeos circulando nas redes sociais que mostram manifestantes apontando a presença de infiltrados (geralmente mascarados) por cometerem atos depredatórios aos bens públicos. Esses vídeos e imagens não são mostrados nos grandes jornais porque não lhes interessa mostrar a verdade dos fatos, mas apenas aquilo que endosse sua narrativa de criminalização do movimento conservador.

Quer dizer que estou dizendo que não houve entre os manifestantes os fanáticos extremistas? Óbvio que não! Claro que eles estavam lá e mostraram sua face descontrolada, para mácula do movimento marcadamente pacífico, como é o da direita brasileira. Além dos infiltrados e dos fanáticos, ainda temos de contar com o “efeito manada”, no qual as pessoas começam a praticar atos como os de vandalismo por verem outras pessoas fazendo e ninguém os impedindo. Agora, generalizar todos os manifestantes como sendo golpistas, fascistas, antidemocráticos, vândalos e terroristas, é demais e atenta contra o histórico já exposto.

Outro ponto a ser suscitado é a denúncia do senador Marcos do Val, que afirma que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertou ao presidente Lula e ao ministro da Justiça, Flávio Dino, sobre a iminência de uma ação violenta nas manifestações de Brasília, ainda na véspera, dia 7 [13]. Essa denúncia é gravíssima, pois, sabendo de antemão que havia esse risco, o governo federal deveria ter requisitado um contingente policial maior ao governo do Distrito Federal. Mas parece que tudo levava à facilitação para uma invasão, que acabou acontecendo.

Ainda tem as 1.200 pessoas apreendidas pela PF e colocadas em um ginásio de esportes em Brasília. Entre elas, estão idosos e crianças e muitos denunciam a falta de assistência básica a eles. Quando vemos imagens compartilhadas do já chamado “campo de concentração”, observamos pessoas comuns com semblante do povo brasileiro, marcado pela cordialidade, não coadunando com as imagens nefastas das quais são acusadas. E os verdadeiros vândalos, foram presos? De repente, aqueles que eram garantistas e contra o encarceramento em massa viraram a chave a apoiam a punição severa aos supostos terroristas. O amor realmente venceu!

Pois bem, quem leu até aqui, e compreendeu de fato o que escrevi, já entendeu que: (1) não neguei em nenhum momento os atos de vandalismo e terrorismo ocorridos em Brasília no último dia 8; (2) não justifiquei nenhum desses atos reprováveis; (3) apontei a parcialidade midiática com relação ao movimento conservador; (4) lembrei das diferenças entre as manifestações entre direitistas e esquerdistas e a hipocrisia dos que se dizem defensores da democracia; (5) levantei a hipótese de haver infiltrados, dos fanáticos extremistas e do efeito manada, que não podem macular todo um movimento – que não exime os culpados de punição, e que o sejam nos termos da lei, respeitado todo o devido processo legal; e (6) a culpabilização não só dos vândalos, mas de agentes públicos responsáveis pela segurança da capital federal, comprovada como tal a sua omissão nesse caso.

Links consultados:

[1] Fatos Primeiro: livre para disputar a eleição, Lula não foi inocentado de todas as acusações. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/fatos-primeiro-livre-para-disputar-a-eleicao-lula-nao-foi-inocentado-de-todas-as-acusacoes/

[2] TFBR – As 123 Manifestações do STF na relação com o Governo Federal. Disponível em: defesanet.com.br/tfbr/noticia/41876/TFBR—As-123-Manifestacoes-do-STF-na-relacao-com-o-Governo-Federal/

[3] É um inquérito do fim do mundo, diz ministro Marco Aurélio. Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/e-um-inquerito-do-fim-do-mundo-diz-ministro-marco-aurelio-29062022

[4] Moraes arquiva inquérito dos atos antidemocráticos no STF e abre outro sobre organização criminosa. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/07/01/moraes-arquiva-inquerito-dos-atos-antidemocraticos-no-stf-e-abre-novo-inquerito-sobre-organizacao-criminosa-contra-a-democracia.ghtml

[5] Bolsonaro compila casos de ‘parcialidade’ do TSE para possível ação em caso de derrota. Disponível em: https://br.noticias.yahoo.com/bolsonaro-compila-casos-parcialidade-tse-195300579.html?guccounter=1&guce_referrer=aHR0cHM6Ly93d3cuZ29vZ2xlLmNvbS5ici8&guce_referrer_sig=AQAAACHrb0Uc7TNhWB90ljBnIc-KwSAZ4VruiEEwT82tar8IlA8P5n0OuCpAW_HIvEHWEz0t4aP2-4Ry7hiKQ2zYRZ77krAE0SIv6hi05HJ6hFx8oY-rzdaRK6_kPstx9SYODC45IaOpuMcaiI3vAkC_kZYguI3Lr5bLSRgpSmOUyh0R

[6] Censura? As decisões polêmicas do TSE sobre eleições, fake news e Jovem Pan. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63338642

[7] Deputados fazem apelo a Fux contra interferências do STF no Legislativo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/deputados-fazem-apelo-a-fux-contra-interferencias-do-stf-no-legislativo/

[8] Em 2006, esquerda invadiu e destruiu o Congresso. Disponível em: https://revistaoeste.com/politica/em-2006-esquerda-invadiu-e-destruiu-o-congresso/

[9] Conheça a estratégia ‘Black Bloc’, que influencia protestos no Brasil. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/07/conheca-estrategia-black-bloc-que-influencia-protestos-no-brasil.html

[10] Ato na Esplanada termina com 7 presos, 49 feridos e rastro de depredação. Disponível em: https://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/manifestantes-causam-depredacao-em-predios-na-esplanada-dos-ministerios.ghtml

[11] Grupo ataca prédio da Fiesp durante protesto contra PEC do teto na Av. Paulista. Disponível em: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/movimentos-sociais-protestam-contra-a-pec-do-teto-na-av-paulista.ghtml

[12] “Vamos ter que regulamentar as redes sociais”, diz Lula na Europa. Disponível em: https://www.poder360.com.br/eleicoes/vamos-ter-que-regulamentar-as-redes-sociais-diz-lula-na-europa/

[13] Governo do Distrito Federal foi induzido ao erro, diz senador Marcos do Val. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/governo-do-distrito-federal-foi-induzido-ao-erro-diz-senador-marcos-do-val/

José Valdemir Alves

José Valdemir Alves

TREZE ALERTAS

(Por: José Valdemir Alves) O presente texto é para você, eleitor(a) que não gosta de Lula e de Bolsonaro, que